A mocinha
O filme terminou, mas o encanto continua.
É impossível ficar indiferente a ele.
Lisbela e o prisioneiro é uma obra que tem o poder de nos fazer rir e chorar ao mesmo tempo.
Não se trata de uma grande história, ao contrário, é simples que só. Uma mocinha sonhadora, um noivo bossal e um aventureiro também sonhador.
O noivo bossal é dispensável.
Primordial é o encontro dos dois sonhadores.
Quando dois sonhadores se encontram o sonho se torna real e a vida, não.
Nisso está a beleza, pois o amor é capaz de condensar as duas realidades: a vida e o sonho, tornando-os um acontecimento único.
Lisbela era uma menina de vida estabilizada.
Noivo certo, casamento marcado, rotina a ser cumprida e nome a ser zelado.
Tinha no cinema o referencial de sua existência.
Nas histórias que assistia, ela descobria os desejos mais profundos de amar e ser feliz.
Encantava-se com os romances impossíveis e conhecia com detalhes o destino reservado a cada personagem.
O cinema era refúgio, um lugar onde ela poderia esquecer a mediocridade do amor que na vida real ela experimentava.
Sabia distinguir a vida do sonho, mas em nenhum momento abria mão de acreditar que o sonho poderia se tornar realidade um dia. Era uma mulher de muitos personagens.
O mocinho
Leleco, este é o seu nome.
Ao contrário de Lisbela, ele não tem nenhuma estabilidade.
A vida errante é o referencial de sua existência.
Um dia, quando criança, passou pelo céu de sua pequena cidade o majestoso Zepelim.
Encantado com tanta beleza, colocou-se a segui-lo.
Quando percebeu, já estava perdido e não podia voltar para casa.
Não é à toa que o poeta Mário Quintana diz que “amar é mudar a alma de casa”.
É verdade.
Quando o amor chega já não podemos viver do mesmo jeito como vivíamos antes.
Para Leleco, sua vida pacata não teria nenhuma graça longe daquele dirigível iluminado no céu.
A beleza o havia seduzido.
Tornou-se mais forte do que a segurança de sua casa.
Sua alma já havia se mudado...
Depois daquela noite, sua vida nunca mais foi a mesma.
Suas palavras no filme confirmam: “Desde então, minha vida é correr atrás de tudo o que é bonito!”.
O encontro
Lisbela e o prisioneiro.
Prisioneiro de quê?
De si mesmo, do próprio sonho e da própria liberdade.
Mas Lisbela também é prisioneira.
De seus personagens, de suas histórias impossíveis e irreais.
É neste momento que os prisioneiros se encontram.
Com seus inúmeros personagens, encontram-se e, de súbito, sentem o desejo de serem um só.
A máquina do amor tem este poder: fundir numa única realidade, o desejo, o desejante e o desejado.
O ponto de chegada de Leleco é Lisbela.
Depois de ter tido tantas mulheres em sua vida, ele compreendeu a razão de sua partida.
O dirigível dirigiu seu coração ao coração de Lisbela.
A história torna-se real e o cinema torna-se interativo.
Os personagens parecem pedir socorro ao público.
O matador profissional desafia o amor, e as intrigas ganham o espaço.
Não há amor sem dor, sem ameaça, pois ele se irrompe é na dificuldade da decisão e da escolha.
Lisbela e Leleco passam pelo processo da escolha e descobrem que já não podem mais viver distantes um do outro.
Esta verdade é tão intensa que chegam a relativizar a morte, caso não possam ficar juntos.
Não saberiam voltar à escravidão de suas vidas.
Todas as andanças e os personagens do jovem aventureiro terminavam ali, diante daquela menina, que guardava em seu coração as chaves que poderiam libertar aquele prisioneiro de sua cela.
O mesmo acontecia com a menina do cinema.
Aprisionada em seus inúmeros personagens, ela viu passar pelo céu de sua história um dirigível com formas humanas maravilhosamente iluminado, também possuidor de chaves que poderiam libertá-la de sua prisão.
Não há outra escolha.
O filme precisa acabar.
O bom mesmo é ser só o que podemos ser, livres da ilusão, despregados de personagens que insistimos em interpretar.
O amor descansa, pois só ele nos permite ser o que somos.
E foi assim, que Lisbela e o prisioneiro me fez pensar na força salvífica que o amor possui.
Foi a partir disso que repensei o conceito de misericórdia que tanto prego por onde ando.
Amar talvez seja isso: dar ao outro a possibilidade de um novo filme, de uma nova atuação, tornando a vida única e maravilhosamente real.
Talvez consista em mostrar ao outro coração que o resgate é possível, que o bandido pode ser vencido e que a vida é tão bela quanto o amor de Lisbela e o prisioneiro.
Pe. Fábio de Melo scj
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